Tiririca e a democracia brasileira
Por Belmiro Valverde
Partido que não tem voto popular não deveria mesmo existir. Poderia ser uma agremiação cultural, classista, comunitária, o que quer que fosse, menos partido político
Quem diria? A maior oportunidade de aperfeiçoar o regime democrático brasileiro está intimamente ligada à eleição de Tiririca para a Câmara Federal com mais de 1,3 milhão de votos. Finalmente caiu a ficha das elites políticas mais responsáveis, que parecem ter entendido que o regime do voto proporcional é insustentável e que alguns espertos irão se valer crescentemente dele para povoar o Congresso de sem-votos, carregados pelos sufrágios dados a candidatos com alta popularidade, mesmo sem nenhum conteúdo político. A grotesca candidatura de Tiririca, que, com as sobras de seus votos, elegeu outros três candidatos, é um alerta, pois não é necessário ser nenhum gênio para entender que, se o regime do voto proporcional não for alterado, as eleições daqui para a frente serão puras operações de marketing para promover tipos populares, potenciais “puxadores de votos”, que se elegerão e ainda carregarão mais uma leva de políticos inexpressivos. O bordão do “pior do que está não fica!” não é verdadeiro. Pode ficar muito pior ainda.
O Congresso é cada vez menos representativo da vontade popular: no Senado, em 2010, 18 suplentes, que não receberam nem um voto sequer, estavam investidos de todos os poderes legisferantes; hoje são nove. Na Câmara Federal, menos de 40 dos 513 deputados se elegeram com os próprios votos; o restante dependeu de votos dados a outros candidatos, muitas vezes com posições e posturas absolutamente antagônicas às suas. Não é de estranhar que os eleitores se sintam cada vez mais distanciados de sua representação política e que a ilegitimidade dos mandatos em todos os níveis seja flagrante.
Agora, pela enésima vez, fala-se em reforma eleitoral, e duas ideias opostas entrarão em discussão: uma delas, a introdução do voto em lista, será o prego final que falta no caixão da democracia representativa; com ele, acabará a última vinculação visível entre os representados e os representantes, que é a individualização das candidaturas, que seria substituída por listas organizadas pelos dirigentes partidários. Em português claro, em um país em que os programas partidários, sem exceção, têm uma forte dose de ficção e de farsa, reforça-se mais ainda o poder dos “donos” internos das legendas, sob o pretexto de reforçar o processo participativo e democrático.
A outra proposta é a introdução do chamado “distritão”, que nada mais é do que o voto majoritário nos candidatos à deputação (e à vereança). Se houver 30 vagas para deputado federal no Paraná, os 30 candidatos que obtiverem a maior votação serão eleitos e ponto final. Tiririca seria eleito, mas não carregaria com ele outros três candidatos com votações insuficientes; e os 513 deputados eleitos no país seriam aqueles que, em seus estados, recebessem mais votos do que os demais, demonstrando maior peso eleitoral. Tão simples assim.
É claro que a aprovação do distritão não será tarefa fácil. Se quase 480 deputados se beneficiam do sistema atual, é evidente que a maioria não verá com olhos favoráveis, qualquer mudança que venha prejudicá-los. E haverá o choro dos partidos nanicos, que correrão o risco de desaparecer, pois as figuras solitárias de um ou poucos “donos” políticos, que se apropriam da votação de uma multidão de anônimos, não lhe garantirá mais a eleição de seus caciques. Mas, que mal pergunte, para que serve um partido político, senão para afirmar-se nas urnas, para receber a validação de suas ideias e plataformas pelo voto popular? Partido que não tem voto popular não deveria mesmo existir. Poderia ser uma agremiação cultural, classista, comunitária, o que quer que fosse, menos partido político.
O Brasil tem 27 partidos políticos registrados e 29 em processo de registro. O que não nos falta é partido. O que falta é que a grande maioria de tais partidos represente realmente algumas ideias e muitas pessoas.
Texto extraído do Site da CBN notícias de 27/02/11.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.
Quem diria? A maior oportunidade de aperfeiçoar o regime democrático brasileiro está intimamente ligada à eleição de Tiririca para a Câmara Federal com mais de 1,3 milhão de votos. Finalmente caiu a ficha das elites políticas mais responsáveis, que parecem ter entendido que o regime do voto proporcional é insustentável e que alguns espertos irão se valer crescentemente dele para povoar o Congresso de sem-votos, carregados pelos sufrágios dados a candidatos com alta popularidade, mesmo sem nenhum conteúdo político. A grotesca candidatura de Tiririca, que, com as sobras de seus votos, elegeu outros três candidatos, é um alerta, pois não é necessário ser nenhum gênio para entender que, se o regime do voto proporcional não for alterado, as eleições daqui para a frente serão puras operações de marketing para promover tipos populares, potenciais “puxadores de votos”, que se elegerão e ainda carregarão mais uma leva de políticos inexpressivos. O bordão do “pior do que está não fica!” não é verdadeiro. Pode ficar muito pior ainda.
O Congresso é cada vez menos representativo da vontade popular: no Senado, em 2010, 18 suplentes, que não receberam nem um voto sequer, estavam investidos de todos os poderes legisferantes; hoje são nove. Na Câmara Federal, menos de 40 dos 513 deputados se elegeram com os próprios votos; o restante dependeu de votos dados a outros candidatos, muitas vezes com posições e posturas absolutamente antagônicas às suas. Não é de estranhar que os eleitores se sintam cada vez mais distanciados de sua representação política e que a ilegitimidade dos mandatos em todos os níveis seja flagrante.
Agora, pela enésima vez, fala-se em reforma eleitoral, e duas ideias opostas entrarão em discussão: uma delas, a introdução do voto em lista, será o prego final que falta no caixão da democracia representativa; com ele, acabará a última vinculação visível entre os representados e os representantes, que é a individualização das candidaturas, que seria substituída por listas organizadas pelos dirigentes partidários. Em português claro, em um país em que os programas partidários, sem exceção, têm uma forte dose de ficção e de farsa, reforça-se mais ainda o poder dos “donos” internos das legendas, sob o pretexto de reforçar o processo participativo e democrático.
A outra proposta é a introdução do chamado “distritão”, que nada mais é do que o voto majoritário nos candidatos à deputação (e à vereança). Se houver 30 vagas para deputado federal no Paraná, os 30 candidatos que obtiverem a maior votação serão eleitos e ponto final. Tiririca seria eleito, mas não carregaria com ele outros três candidatos com votações insuficientes; e os 513 deputados eleitos no país seriam aqueles que, em seus estados, recebessem mais votos do que os demais, demonstrando maior peso eleitoral. Tão simples assim.
É claro que a aprovação do distritão não será tarefa fácil. Se quase 480 deputados se beneficiam do sistema atual, é evidente que a maioria não verá com olhos favoráveis, qualquer mudança que venha prejudicá-los. E haverá o choro dos partidos nanicos, que correrão o risco de desaparecer, pois as figuras solitárias de um ou poucos “donos” políticos, que se apropriam da votação de uma multidão de anônimos, não lhe garantirá mais a eleição de seus caciques. Mas, que mal pergunte, para que serve um partido político, senão para afirmar-se nas urnas, para receber a validação de suas ideias e plataformas pelo voto popular? Partido que não tem voto popular não deveria mesmo existir. Poderia ser uma agremiação cultural, classista, comunitária, o que quer que fosse, menos partido político.
O Brasil tem 27 partidos políticos registrados e 29 em processo de registro. O que não nos falta é partido. O que falta é que a grande maioria de tais partidos represente realmente algumas ideias e muitas pessoas.
Texto extraído do Site da CBN notícias de 27/02/11.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.
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